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#CineBuzzJáViu / CRÍTICA

"Benedetta" provoca a Igreja com suas próprias "armas" e sexo entre freiras | #CineBuzzIndica

Longa de Paul Verhoeven estreia nesta quinta (13) nos cinemas brasileiros

ANGELO CORDEIRO | @ANGELOCINEFILO Publicado em 17/11/2021, às 17h13 - Atualizado em 12/01/2022, às 11h25

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"Benedetta" provoca a Igreja com suas próprias "armas" e sexo entre freiras - Divulgação/Imovision
"Benedetta" provoca a Igreja com suas próprias "armas" e sexo entre freiras - Divulgação/Imovision

"Essa história é baseada em fatos reais". A frase que abre "Benedetta" é, evidentemente, uma provocação feita pelo diretor Paul Verhoeven. Não que a história não seja baseada em fatos, já que é uma adaptação do livro "Atos Impuros: A Vida de uma Freira Lésbica na Itália da Renascença", escrito pela historiadora Judith C. Brown, sobre a vida da noviça Benedetta Carlini que, nos anos finais do século 17, morou em um convento e, de acordo com registros da época, viveu um caso de amor lésbico com outra freira de nome Bartolomea.

Quem conhece Paul Verhoeven sabe muito bem do que é capaz o diretor de “Showgirls”, “Instinto Selvagem” e “Elle”, e com “Benedetta” o cineasta provoca a audiência sem qualquer pudor, se apropriando das imagens sagradas da Igreja e dos dogmas cristãos de forma profana em um nunsploitation - subgênero do exploitation que teve seu auge nos anos 70 com obras como “Os Demônios” e “Satânico Pandemonium” - escancarando e escandalizando toda a hipocrisia da Igreja Católica que, durante séculos, oprimiu as mulheres.

Na trama que acontece na Pescia, região da Toscana, Benedetta Carlini (Virginie Efira) é uma jovem que, segundo seus pais, é prometida a Cristo e, por isso, é enviada por eles a um convento italiano - ou melhor, é oferecida junto de um dote, afinal, ali "não é uma instituição de caridade", diz a Madre Superiora. Após alguns anos, uma jovem de nome Bartolomea (Daphne Patakia) surge no convento pedindo socorro e Benedetta a acolhe como sua protegida. Logo, as duas se aproximam e iniciam um relacionamento proibido que irá abalar as estruturas do convento.

Conforme a narrativa avança, Verhoeven incita em Benedetta transformações tanto psicológicas quanto físicas. Sonhos eróticos e espetaculosos com Jesus - que sempre lhe surge como aquele que a salva de cobras gigantes que querem penetrá-la - se tornam cada vez mais prazerosos ao mesmo compasso que seu relacionamento com Bartolomea vai ficando cada vez mais explícito, chegando ao ponto desse apetite sexual tornar Benedetta a esposa carnal de Jesus. A partir desses encontros espirituais em seus sonhos, Benedetta passa a carregar algo consigo, tornando-se uma espécie de mensageira divina, o que aos olhos dos líderes religiosos soa mais como uma farsa e, por isso, se torna maculada por eles.

Verhoeven condena e julga aquelas pessoas que, mais do que quaisquer outras, deveriam ter fé em milagres e que são as primeiras a desacreditar de Benedetta. A abadessa Felicita (Charlotte Rampling), responsável pela ordem do convento, ao duvidar das palavras de Benedetta, recorre ao julgamento do núncio Alfonso Giglioli (Lambert Wilson) para que ele vá ao convento investigar a noviça. Chega a ser simbólica a tal viagem de Felicita: ela enfrenta a praga, mergulha na imundície, se suja e se contamina, por não acreditar nos milagres e nas visões de Benedetta.

Essa dúvida respinga na audiência graças à excelente atuação de Virginie Efira, que dá nuances a Benedetta e nos faz questionar: Afinal, aquelas visões seriam reais ou fruto da imaginação da noviça? Sua fé está baseada em alcançar o prazer? Benedetta desfruta daquele prazer pois alcançá-lo é o que parece aproximá-la cada vez mais de Jesus. Nada mais subversivo do que isso, ainda mais em uma época em que qualquer tipo de prazer - pelo menos por parte das mulheres - deveria ser punido. “Seu corpo é seu maior inimigo”, alegam as freiras. Aí sim, da punição e da dor, viria a aproximação com Cristo.

Verhoeven acerta ao chamar a atenção da audiência com imagens tão chocantes, ora, estamos falando de um cineasta que tem a polêmica e a subversão como características indispensáveis em seu cinema e que nunca se contentaria em ser menos do que isso. Basta lançar um olhar para sua filmografia e recordar que em um de seus trabalhos mais recentes, “Elle”, de 2016, Verhoeven abordou o abuso sexual de forma polêmica ao insinuar o prazer em um ato tão agressivo e condenável.

Voltando mais alguns anos, em “Sem Controle”, de 1980, longa de sua fase holandesa, Verhoeven não se acanhou ao mostrar cenas explícitas de sexo oral com membros rígidos, ou seja, por suas lentes, as cenas de amor entre as duas freiras assumem a intenção de chocar e são fotografadas de forma fetichista, deixando a condenação - e a publicidade - a cargo dos grupos mais opressores da Igreja. E deu certo. No Festival de Nova York deste ano o filme recebeu protestos do grupo "America Needs Fatima" contra sua exibição. Quer propaganda melhor do que essa?

Em suma, “Benedetta” é o tipo de filme que só pegará desprevenido o mais desavisado dos espectadores, já que apresenta suas credenciais desde o seu cartaz que tem parte do seio da protagonista à mostra. Na América Latina, sua primeira exibição se deu no Festival MixBrasil, um evento que celebra as produções artísticas do universo LGBTQIA+ e que traz em sua vinheta de abertura a frase “mesmo que me ignore, que me apague, que me censure, eu resisto”. Em meio a protestos, “Benedetta” resiste, a contragosto de muitos e para o prazer de si mesma e dos cinéfilos fãs de Paul Verhoeven.