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#CineBuzzJáViu / CRÍTICA

Entre o musical e a ópera tragicômica, "Annette" é cinema em estado puro | #CineBuzzIndica

Longa do cineasta Leos Carax é protagonizado pela dupla Adam Driver e Marion Cotillard

ANGELO CORDEIRO | @ANGELOCINEFILO Publicado em 26/10/2021, às 14h33

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Entre o musical e a ópera tragicômica, "Annette" é cinema em estado puro | #CineBuzzIndica - Divulgação/Mubi
Entre o musical e a ópera tragicômica, "Annette" é cinema em estado puro | #CineBuzzIndica - Divulgação/Mubi

Desde que a pandemia de covid-19 se espalhou pelo mundo, salas de cinema, teatros e as mais diversas casas de show se fecharam fazendo com que os amantes da arte e os cinéfilos fossem privados de compartilhar um de seus momentos favoritos com uma plateia entusiasmada, por isso, a volta gradual às salas de cinema tem se tornado um momento especial.

A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, evento que acontece ininterruptamente desde 1977, já se tornou um marco para a cinefilia da cidade e, após um 2020 de sessões virtuais, poder contar com sessões presenciais em 2021 fez com que alguns filmes ganhassem ainda mais significado. Caso de “Annette”, novo filme de Leos Carax, diretor de “Holy Motors” e “Os Amantes de Pont-Neuf”.

Carax, que venceu o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes por "Annette", tem plena consciência de que seu filme é uma experiência que deve ser compartilhada por uma plateia. “Senhoras e senhores, pedimos agora sua atenção total”, diz a voz em off do cineasta enquanto os créditos iniciais ainda aparecem na tela escura. É como se esperássemos as cortinas do espetáculo se abrirem para o show enfim começar.

E quando começa, Carax dá as caras, junto de sua filha, e diz aos músicos Ron Mael e Russell Mael da banda Sparks - que assinam as canções e o roteiro - “podemos começar?" E quando começam, é pra valer. O número inicial - não se esqueçam que este é um musical - traz o elenco em uma longa sequência externa rumo aos seus espetáculos.

Na história de "Annette", Marion Cotillard é Ann, uma cantora de ópera de carreira tão gloriosa quanto sua voz. Adam Driver é Henry McHenry, um comediante de stand-up, dono de um estilo excêntrico e humor ácido que se apresenta como o “Macaco de Deus”. O caso entre os dois chama a atenção do público e da imprensa - com inserções hilárias de furos jornalísticos, dignos de quaisquer tablóides de fofoca. "Nós nos amamos tanto", canta o casal enquanto faz amor. Tudo é belo. Mas, como uma ópera, há tragédia.

Para contar a trágica história de amor desse casal, Carax assume o espetáculo. Os cenários viram palco. As atuações assumem a encenação. Diálogos são cantoria. O musical se transforma em tragicomédia. Seu cinema vira uma apresentação operística. Seus personagens parecem fadados aos seus trágicos destinos, principalmente Henry McHenry, um herói às avessas que não entende porque Ann o ama, já que ele é só um comediante, enquanto ela tem fama internacional. A chegada da bebê Annette, filha do casal, muda tudo.

Henry McHenry vai se transformando - e se transtornando - cada vez mais. O “Macaco de Deus” assume o papel de lobo mau deste conto de fadas. A atuação de Adam Driver deixa evidente porque o ator é um dos principais nomes de sua geração. Sua voz e envergadura imponentes dominam a cena. Sua presença se torna ameaçadora para Annette e para a própria Ann, que se torna uma personagem de fábula ao morder uma maçã e, principalmente, quando em apuros na sequência da tempestade ao mar.

Cena após cena, assumindo cada vez mais o estilo de uma ópera dividida em atos na qual todo acontecimento é importante, Carax vai elevando o tom da tragédia ao máximo. Seus personagens ganham contornos cada vez mais dramáticos. Para ele, tudo é espetaculoso. O pianista interpretado por Simon Helberg (“The Big Bang Theory”) entra em cena como um mocinho que pode salvar a donzela. Ann poderia ser a reencarnação de Rebecca, do clássico de Alfred Hitchcock. Ironicamente, a marionete Annette é quem mais carrega humanidade dentro de si.

Sua pureza, inocência e graciosidade contrastam com a jornada de seu pai, um herói falho que caminha rumo ao abismo. Em seu encerramento, “Annette” ainda nos proporciona um ato final com uma participação tão especial e avassaladora que nos deixa boquiabertos e de olhos marejados. Fecham-se as cortinas. O espetáculo chega ao fim. A plateia se irrompe em aplausos. Vamos embora com a sensação de que presenciamos um evento. O cinema prova por si porque uma experiência em uma sala é algo sem igual. Eis “Annette”.