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#CineBuzzJáViu / CRÍTICA

"Licorice Pizza" é um retrato carinhoso da juventude sonhadora dos anos 70 | #CineBuzzIndica

Novo filme do diretor Paul Thomas Anderson chega aos cinemas nesta quinta-feira (17)

ANGELO CORDEIRO | @ANGELOCINEFILO Publicado em 17/02/2022, às 12h01

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"Licorice Pizza" é um retrato carinhoso da juventude sonhadora dos anos 70 | #CineBuzzIndica - Divulgação/Universal Pictures
"Licorice Pizza" é um retrato carinhoso da juventude sonhadora dos anos 70 | #CineBuzzIndica - Divulgação/Universal Pictures

Existem filmes que são uma carta de amor a outros tempos, outros são uma declaração de amor ao cinema, alguns demonstram imenso carinho por seus personagens - mesmo que eles não tenham existido de fato -, e ainda existem aqueles filmes que não se envergonham em serem nostálgicos e, assim, nos fazem desejar: que vontade de ter vivido essa época nessa cidade. “Licorice Pizza”, novo filme do diretor Paul Thomas Anderson, é tudo isso: é uma carta de amor - ao cinema, às pessoas, à cidade na qual o diretor cresceu e ainda vive - que nos transporta para uma época na qual é possível perceber como um dos diretores mais originais das últimas décadas do cinema norte-americano olha para o passado: com carinho e admiração.

É curioso notar como a Los Angeles de “Licorice Pizza”, aos olhos de PTA, nem parece a mesma Los Angeles filmada por Damien Chazelle em “La La Land”. Enquanto uma é mais colorida, planejada e musical, a Los Angeles de PTA é mais granulada, menos arquitetada e mais atmosférica em seus ambientes. É que enquanto o filme de Chazelle propunha uma maturidade nos personagens a partir do desenrolar de uma história calcada em sonhos, com um final nada feliz para os românticos, o filme de PTA parte de uma maturidade em sua condução - habitual do diretor - se valendo dos aspectos de um coming of age e nunca renegando a inocência de seus protagonistas sonhadores, vividos pelos estreantes Alana Haim, do trio indie Haim, e Cooper Hoffman, filho do saudoso Philip Seymour Hoffman.

Na história que se passa nos anos 70 - mais precisamente em 1973, graças a um letreiro anunciando a exibição de “Com 007 Viva e Deixe Morrer” -, o jovem Gary Valentine (Hoffman) é um ator mirim de prestígio conhecido por todos em San Fernando Valley e que busca um novo empreendimento que o faça deslanchar nos negócios. Quando ele conhece a jovem Alana (Haim), o charmoso Gary insiste para que a garota saia com ele. A jovem de 25 anos, tão ou mais perdida que Gary na vida, rejeita o garoto a princípio, mas aos poucos percebe que não é possível seguir em frente sem ter ele - e seus sonhos - ao seu lado.

Se a princípio o relacionamento de uma jovem de 25 anos com um garoto prestes a completar 16 anos soa problemático, PTA lida bem com esse estranhamento e dá a Gary no máximo a experiência de viver um amor platônico. Gary então aproveita a melhor fase da vida para fazer planos, e sonha tanto - em ver os seios de Alana, em ser bem sucedido em seus negócios mirabolantes - que o filme chega a transmitir uma aura de conto de fadas em certos momentos, ganhando contornos ainda mais absurdos a partir das breves, mas emblemáticas, aparições de Bradley Cooper - a qual origina uma das melhores e mais tensas sequências do filme - e o momento “Alana no País das Maravilhas”, no qual a jovem é seduzida pelo Jack Holden de Sean Penn, um figurão de Hollywood numa clara homenagem a William Holden, que ainda conta com o suporte de um Tom Waits alucinado à la Chapeleiro Maluco.

Todo fã de cinema gosta de ver filmes que transmitem a energia de uma época, seja a partir da trilha sonora - aqui embalada por canções de David Bowie, The Doors, Nina Simone, Sonny & Cher, entre outros -, da direção de arte - que ficou a cargo de Florencia Martin, coincidentemente a responsável pela direção de arte do próximo filme de Damien Chazelle, “Babylon” - ou até por referências mais diretas como personalidades e lugares, mas a experiência fica ainda mais íntima quando assistimos a um filme com personagens que o diretor parece ter retirado diretamente de sua memória mais vívida, transformando aquelas ansiedades, desejos e frustrações em um elo entre personagem e espectador.

E é nessa gana por acertar e dar certo na vida que Alana e Gary demonstram que não sabem de muita coisa. Ora, e o que os jovens sabem? Ainda que Gary insista em se arriscar em novos empreendimentos como se fosse um homem de negócios, sua pouca idade e seu olhar ingênuo para o mundo comprovam que ele ainda precisa amadurecer. Já Alana, mesmo próxima dos 30 anos, ainda sob a sombra e olhares dos pais conservadores, questiona a si mesma o porquê de andar tanto com Gary e seus amigos. Ambos perseguem não só os sonhos que a cidade e os que os rodeiam prometem, mas também correm atrás de uma maturidade que não aparecerá da noite para o dia. Não há catarse. Não há uma chuva de sapos enviada por alguma intervenção divina.

E cito o clímax de proporções bíblicas de "Magnólia" para finalizar dizendo que mesmo com uma filmografia bíblica como a de Paul Thomas Anderson - pelo menos para os cinéfilos -, com filmes sempre abertos a interpretações ("Vício Inerente"), repletos de personagens presunçosos ("O Mestre") e com um nível elevadíssimo de perfeccionismo ("Trama Fantasma"), agora, PTA nos cativa na singeleza de um diário de adolescente que é “Licorice Pizza”. Um retrato carinhoso da juventude sonhadora dos anos 70.