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"Som da Liberdade" apela para a emoção em ficção disfarçada de história real | Crítica

Considerado o filme mais polêmico do último ano, produção já está disponível no catálogo do Amazon Prime Video

Henrique Nascimento (@hc_nascimento) Publicado em 18/09/2023, às 20h00 - Atualizado em 29/01/2024, às 11h00

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"Som da Liberdade" apela para comover enquanto negligencia temática delicada; CineBuzz já viu - Divulgação/Paris Filmes
"Som da Liberdade" apela para comover enquanto negligencia temática delicada; CineBuzz já viu - Divulgação/Paris Filmes

Se eu recebesse por todas as análises que quis começar relembrando que o cinema não é só um veículo de entretenimento, mas de formação sociocultural, eu estaria muito rico neste momento. Porém, a lembrança se faz importante no caso de "Som da Liberdade", que cjá está disponível no catálogo do Amazon Prime Video e carrega a fama de ser "o filme mais polêmico" do último ano.

Não é mentira o que disse: o cinema realmente não é só uma forma de divertir, mas uma ferramenta de informação, capaz de moldar a nossa forma de pensar, assim como a literatura, a música e outras formas de arte, porque faz parte da nossa educação e, em muitos casos, nos leva a pensar além da própria história apresentada na tela grande.

Desde a sua estreia nos Estados Unidos, em 4 de julho de 2023, "Som da Liberdade" comprovou isso. O longa gerou um bate-cabeça no país, que acabou se espalhando pelo mundo e, a partir da curiosidade de muitos, o filme ganhou atenção e, rapidamente, tornou-se um sucesso em bilheteria. Mas o que a produção tem de tão especial (ou de tão polêmica)?

Qual é a história?

"Som da Liberdade" é a adaptação cinematográfica da história real de Tim Ballard, um agente especial do governo norte-americano, responsável por prender pedófilos há mais de uma década, salvando as vidas de incontáveis crianças, mesmo sem nunca ter levado nenhuma delas de volta para os seus lares.

Confrontado com essa realidade, Ballard, vivido no filme por Jim Caviezel (Jesus Cristo em "A Paixão de Cristo", de 2004), vê a possibilidade de mudar o foco do seu trabalho e, logo em sua primeira missão, é bem-sucedido e acaba recuperando o pequeno Miguel (Lucás Ávila, "Enfermeras"), devolvendo-o ao seu pai, Roberto (José Zúñiga, "Crepúsculo").

No entanto, a irmã de Miguel, Rocío (Cristal Aparicio, "Perdida"), que foi sequestrada junto com ele, continua desaparecida, o que leva Ballard, um homem cristão, casado e pai de cinco filhos, a se colocar no lugar de Roberto e passar a dedicar os seus próximos passos ao resgate da garota e outras tantas crianças, vítimas de tráfico sexual internacional.

O que há de tão errado com "Som da Liberdade"?

Além de alguns percalços narrativos e outros tantos hiperbolismos, não há nada de absurdamente errado com "Som de Liberdade". Porém, é importante olhar além da primeira camada e realmente tentar entender a mensagem que o filme está tentando passar.

Toda a polêmica envolvendo a novidade veio da associação do longa com a QAnon, teoria da conspiração da extrema-direita estadunidense, que acredita na existência de uma rede global formada por adoradores do Satanás, pedófilos e canibais responsáveis pelo tráfico sexual de crianças.

Pró-Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, a teoria ainda diz que o empresário seria o responsável por acabar com essa rede e, portanto, os seus membros estariam conspirando para tirá-lo do poder, por isso Trump não teria sido reeleito à presidência.

Considerando que "Som da Liberdade" mostra a história de um homem lutando contra uma rede de tráfico sexual infantil, é fácil entender o porquê da associação. No entanto, mesmo se não levarmos isso em consideração, o filme ainda traz alguns problemas, que não dá para ignorar.

"Som da Liberdade" coloca o que poderíamos chamar de um "típico cidadão estadunidense" - cristão, pai de família e conservador - no centro de sua história. Ballard abdica de sua profissão estável, diz adeus à sua família e coloca a sua própria vida em risco para seguir em sua missão, porque "as crianças de Deus não estão à venda" e é ele quem precisa salvá-las.

Apesar de quase transformá-lo em uma versão do Capitão América, a construção do personagem e de suas motivações ainda estão dentro do aceitável. O problema é o tratamento dado aos "inimigos" de Ballard e aí que eu começo a falar como o contexto sociocultural pode ser afetado por um filme que, aparentemente, é bastante simples.

"Som da Liberdade" aborda o tráfico sexual de crianças e a pedofilia, mas coloca esse problema na conta de latinoamericanos, eximando os Estados Unidos de qualquer culpa no problema, como se o país não abrigasse alguns notórios pedófilos, como Jeffrey Epstein (1953-2019) - que foi amigo de Trump -, acusado de manter uma "ilha de pedófilos".

Se pensarmos em como o ódio por imigrantes, especialmente latinoamericanos, cresceu nos Estados Unidos nos últimos anos, é desconfortável testemunhar latinos sendo demonizados na tela grande, exclusivamente retratados como traficantes e pedófilos. A quem serve essa retratação?

Alguns podem dizer que o roteirista e diretor Alejandro Monteverde - que é mexicano, vale dizer - estava apenas contando a história como ela aconteceu, já que se trata de um filme supostamente baseado em fatos. No entanto, toda história tem várias formas de ser contada e é nessa ambiguidade que mora o perigo da narrativa da produção.

No final das contas, "Som da Liberdade" apela para a emoção durante a construção da biografia de um herói, deixando a abordagem sobre o tráfico sexual infantil e a pedofilia em segundo plano, sem nunca se aprofundar nas questões ou abrir o jogo sobre os responsáveis pela manutenção do problema; e se transforma em uma ficção disfarçada de história real para ganhar credibilidade e um panfleto - querendo ou não - para teorias conspiratórias como a QAnon. 

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  • "Os Rejeitados"
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  • "Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo"

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